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Revalidação de Astyanax rupununi Fowler, 1914 (Teleostei, Characidae) e descrição de duas espécies novas para o gênero

Resumos

A. rupununi Fowler, 1914, considerada sinônimo de A. bimaculatus (Linnaeus) por Eigenmann (1921) é revalidada e duas espécies novas são descritas: A. clavitaeniatus, do alto rio Branco, Roraima, Brasil, e A. siapae, da bacia do Casiquiare-Orinoco, Estados Amazonas e Apure, Venezuela. Essas três espécies apresentam o mesmo padrão básico de coloração: mancha umeral negra horizontalmente ovalada, mancha negra no pedúnculo caudal estendida à extremidade dos raios caudais medianos, duas barras verticais marrons (a primeira cruzando a mancha umeral e a segunda situada 23 escamas atrás) e característica faixa lateral negra em forma de clava. Os caracteres que distinguem as três espécies são discutidos e é apresentada uma chave de identificação para as três espécies.

Astyanax bimaculatus; Astyanax rupununi; A. clavitaeniatus n. sp.; A. siapae n. sp; revalidação; descrição


Astyanax rupununi Fowler, 1914, previously considered a junior synonym of A. bimaculatus (Linnaeus, 1758), is herein proposed as a valid species. The two species may be distinguished by the presence in A. rupununi of a single black club-shaped lateral stripe, the smaller body and caudal peduncle depths, and by the fewer teeth cuspids. Two new species, with the same basic color pattern of Fowler's species, are described: A. clavitaeniatus sp. n. from the upper Branco river, Roraima State, Amazonia, Brazil, and A. siapae sp. n. from the Casiquiare-Orinoco basin, Amazonas and Apure States, Venezuela. A key to the identification of Astyanax species sharing this color pattern is presented.

Astyanax bimaculatus; Astyanax rupununi; A. clavitaeniatus n. sp.; A. siapae n. sp; revalidation; description


Revalidação de Astyanax rupununi Fowler, 1914 (Teleostei, Characidae) e descrição de duas espécies novas para o gênero

Valdener Garutti

Universidade Estadual Paulista, IBILCE-CAUNESP, Caixa Postal 136, 15054-000, São José do Rio Preto, SP. Email: valdenergarutti@yahoo.com.br

RESUMO

A. rupununi Fowler, 1914, considerada sinônimo de A. bimaculatus (Linnaeus) por Eigenmann (1921) é revalidada e duas espécies novas são descritas: A. clavitaeniatus, do alto rio Branco, Roraima, Brasil, e A. siapae, da bacia do Casiquiare-Orinoco, Estados Amazonas e Apure, Venezuela. Essas três espécies apresentam o mesmo padrão básico de coloração: mancha umeral negra horizontalmente ovalada, mancha negra no pedúnculo caudal estendida à extremidade dos raios caudais medianos, duas barras verticais marrons (a primeira cruzando a mancha umeral e a segunda situada 23 escamas atrás) e característica faixa lateral negra em forma de clava. Os caracteres que distinguem as três espécies são discutidos e é apresentada uma chave de identificação para as três espécies.

Palavras-chave: Astyanax bimaculatus, Astyanax rupununi, A. clavitaeniatus n. sp., A. siapae n. sp, revalidação, descrição.

ABSTRACT

Astyanax rupununi Fowler, 1914, previously considered a junior synonym of A. bimaculatus (Linnaeus, 1758), is herein proposed as a valid species. The two species may be distinguished by the presence in A. rupununi of a single black club-shaped lateral stripe, the smaller body and caudal peduncle depths, and by the fewer teeth cuspids. Two new species, with the same basic color pattern of Fowler's species, are described: A. clavitaeniatus sp. n. from the upper Branco river, Roraima State, Amazonia, Brazil, and A. siapae sp. n. from the Casiquiare-Orinoco basin, Amazonas and Apure States, Venezuela. A key to the identification of Astyanax species sharing this color pattern is presented.

Keywords: Astyanax bimaculatus, Astyanax rupununi, A. clavitaeniatus n. sp., A. siapae n. sp, revalidation, description.

INTRODUÇÃO

Em seu trabalho de revisão taxonômica de Astyanax, Eigenmann (1921) sinonimizou A. rupununi Fowler, 1914 com A. bimaculatus (Linnaeus, 1758), no que foi seguido por autores subseqüentes, entre os quais Géry (1977), o autor que por último tratou desse gênero como um todo. Entretanto, os resultados do presente estudo indicam que as diferenças existentes entre as formas de Linnaeus e de Fowler são suficientes para que ambas sejam consideradas táxons distintos. As diferenças mais conspícuas entre as duas espécies referem-se à presença de uma faixa lateral negra em forma de clava e altura do corpo menor, em A. rupununi e números maiores de cúspides nos dentes grandes do dentário e na série interna do pré-maxilar, em A. bimaculatus.

No decorrer desse estudo foram examinados ainda, exemplares de lambaris dotados do mesmo padrão básico de coloração de A. rupununi, mas a análise comparativa dos dados revelou que se tratam de espécies distintas de A. rupununi. Assim, é proposta a revalidação de A. rupununi Fowler, 1914 e são descritas duas espécies novas para o gênero. A faixa lateral negra presente nestas três espécies é losangular no pedúnculo caudal e afunilada para a frente, estreitando-se até a 2ª barra vertical marrom situada 2-3 escamas atrás da mancha umeral; tem a forma característica de uma clava (Figuras 2 e 3).




MATERIAL E MÉTODOS

Os exemplares examinados são provenientes dos rios Surumu e Uraricoera, bacia do alto rio Branco, afluente do rio Negro e afluentes do rio Casiquiare e do rio Orinoco, Venezuela, e encontram-se depositados no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP), no Museo de Biología da Universidad Central de Venezuela (MBUCV) e no American Museum of Natural History de Nova York (AMNH). De cada exemplar foram tomadas 15 medidas com paquímetro, com precisão de décimos de milímetro e foram realizadas 8 contagens de acordo com Garutti (1998). A sigla CP corresponde ao comprimento padrão. O exame da dentição consistiu no registro do número e do tamanho dos dentes presentes nos ossos dentário, pré-maxilar e maxilar, bem como da contagem das cúspides desses dentes; os valores referidos nas descrições, para o número de cúspides, referem-se a um mesmo exemplar. Nas tabelas são apresentadas proporções corporais em relação ao comprimento padrão, comprimento da cabeça e altura do corpo. O número de escamas da linha transversal refere-se ao total de escamas da série, contadas entre a nadadeira dorsal e a nadadeira pélvica. O número de raios da nadadeira anal inclui raios divididos e não divididos; os raios adnatos considerados como único. Os cálculos estatísticos foram feitos através do programa Excel 7.0 e os valores mínimo e máximo de cada variável constam das tabelas. Às variáveis mais discriminantes entre os três táxons (índices entre comprimento padrão, comprimento da cabeça, altura do pedúnculo caudal e distância nadadeira dorsal-nadadeira anal) aplicou-se uma análise de componentes principais – PCA. Para avaliar o poder de discriminação de cada componente foi aplicada a análise de variância, com as comparações pareadas de Tuckey. Foram consideradas diferenças significantes quando o valor-p < 0,05. Os cálculos foram obtidos com o programa Minitab 12.1.

Dados comparativos de Astyanax bimaculatus constam de Garutti (1995), que examinou material procedente das bacias do Courantjne, Nickerie, Coppename, Suriname-Brokopondo e Marowijne (Suriname). Comentários adicionais sobre o assunto estão em Garutti & Britski (1997; 2000). As informações julgadas relevantes sobre o tipo de Linnaeus foram obtidas através de Sven O. Kullander, do Swedish Museum of Natural History (NRM). Exemplares examinados da série-tipo de A. rupununi estão depositados na Academy of Natural Science of Philadelphia (ANSP).

Chave para identificação das espécies de Astyanax com mancha umeral horizontalmente ovalada e faixa lateral na forma de clava

1. Altura do corpo até 35,8% do comprimento padrão; dentes da série interna do pré-maxilar exclusivamente pentacuspidados .............................. A. rupununi Fowler

Distribuição: rio Rupununi, bacia do Essequibo.

1a. Altura do corpo igual ou maior que 36,6% do comprimento padrão; dentes da série interna do pré-maxilar até heptacuspidados ...................................................... 2

2. Dentes grandes do dentário tetra e pentacuspidados ................... A. siapae sp. n.

Distribuição: bacia do Casiquiare-Orinoco.

2a. Dentes grandes do dentário hexa e heptacuspidados ........ A. clavitaeniatus sp. n.

Distribuição: alto rio Branco, bacia do Amazonas.

Astyanax rupununi Fowler

Figura 1, Tabela 3

Astyanax rupununi Fowler, 1914:242-244 (descrição original, figura 6).

Astyanax (Poecilurichthys) bimaculatus Eigenmann, 1921:250 (sinonímia, figura 6 de Fowler, 1914).

Tipos examinados

Holótipo: ANSP 39328, 47,5 mm CP, rio Rupununi, Guiana Britânica (= Guiana), col. J. Ogilvie, 19111912 (1912, conforme Fowler, 1914:244).

Parátipo: ANSP 39329, 47,6 mm CP, rio Rupununi, Guiana Britânica (02°N50°20'W* * Observação: há um equívoco, certamente, na anotação da longitude expressa no rótulo; a coordenada correta deve situar-se em torno dos 60°W, provavelmente 59°20'W. ), col. J. Ogilvie, 1911, mesma data do holótipo, conforme Fowler, 1914:244.

Diagnose – A. rupununi Fowler distingue-se facilmente de A. bimaculatus (Linnaeus) por várias características, dentre as quais a presença de uma conspícua faixa lateral negra em forma de clava (vs. ausente), altura do corpo igual ou menor que 35,8% do comprimento padrão (vs. > 41,0%), altura do pedúnculo caudal igual ou menor que 9,2% do comprimento padrão (vs. > 9,7%) e por possuir dentes grandes do dentário e da série interna do pré-maxilar pentacuspidados (vs. dentário: tetra, hexa e heptacuspidados; pré-maxilar: penta, hexa e heptacuspidados). O corpo baixo e o menor número de cúspides dos dentes da série interna do pré-maxilar distinguem A. rupununi das demais espécies dotadas de faixa lateral negra em forma de clava: Astyanax clavitaeniatus sp. n. e Astyanax siapae sp. n. (vide diagnose destas duas espécies).

Dados adicionais de morfometria para holótipo e parátipo, entre parênteses, de Astyanax rupununi: comprimento padrão: 47,5 mm (47,6); comprimento da cabeça: 12,3 mm (12,2); altura do corpo: 17,0 mm (16,3). % do comprimento padrão: comprimento da cabeça: 25,9 (25,6); altura do corpo: 35,8 (34,2); altura do pedúnculo caudal: 9,1 (9,2); distância pré-dorsal: 52,2 (53,4); distância pré-anal: 63,2 (65,1); distância nadadeira dorsal-nadadeira peitoral: 43,4 (41,2); distância nadadeira dorsal-nadadeira anal: 38,1 (37,0); distância nadadeira anal-nadadeira adiposa: 35,8 (35,9); distância nadadeira dorsal-nadadeira adiposa: 39,2 (38,9). % do comprimento da cabeça: diâmetro do olho: 35,0 (37,7); largura interorbital: 42,3 (38,5); altura da cabeça: (93,4). % da altura do corpo: altura do pedúnculo caudal: 25,3 (27,0).

Astyanax clavitaeniatus sp. n.

Figuras 1 e 2, Tabelas 1 e 3

Holótipo: MZUSP 5146, 48,3 mm CP. Surumu, rio Surumu (aprox. 03°30'N-60°25'W), Roraima, Brasil, x.1966, col. M. Alvarenga.

Parátipos: 22 ex., 33,4-72,4 mm CP. Roraima, Brasil: MZUSP 48281, 11 ex., 33,4-62,5 mm CP e MBUCVV29167, 5 ex., 41,4-60,0 mm CP, mesmos dados do holótipo; MZUSP 17748, 2 ex., 47,4-51,4 mm CP, rio Uraricoera, igarapé da Fazenda Canadá, 15.ii.1969, col. T. Roberts; MZUSP 17757, 4 ex., 54,0-72,4 mm CP, rio Uraricoera, igarapé do Pau Rocho, fazenda Canadá, 18.ii.1969, col. T. Roberts.

Diagnose – Astyanax clavitaeniatus sp. n. (Figura 2) distingue-se de A. rupununi por apresentar altura do corpo igual ou maior que 37,4% do comprimento padrão (vs. até 35,8%), pedúnculo caudal mais alto: > 10,3% do comprimento padrão (vs. < 9,2%), distância nadadeira dorsal-nadadeira anal maior: > 39,4% do comprimento padrão (vs. < 38,1%) e maiores números de cúspides dos dentes grandes do dentário: hexa e heptacuspidados (vs. pentacuspidados) e da série interna do pré-maxilar: penta e heptacuspidados (vs. pentacuspidados). Diferencia-se de A. siapae por possuir maior número de cúspides nos dentes grandes do dentário: hexa e heptacuspidados (vs. tetra e pentacuspidados). A. clavitaeniatus diferencia-se facilmente de A. bimaculatus pela presença da característica faixa lateral negra em forma de clava (vs. ausente) e pelo número de raios na nadadeira anal menor: 2631 (vs. 31-35).

Descrição – Corpo moderadamente alongado, comprimido, com as regiões pré-dorsal quilhada e pré-ventral arredondada; focinho pequeno, menor que o infraorbital 2 e igual ou menor que o diâmetro do olho; nadadeira caudal com lóbulos simétricos. Perfil dorsal do corpo convexo da ponta do focinho à base da nadadeira caudal; perfil ventral convexo da ponta do focinho às nadadeiras pélvicas; reto destas até a nadadeira anal e convexo ao longo da anal até a base da nadadeira caudal. Maior altura do corpo pouco à frente da origem da nadadeira dorsal. Partes dorsal e ventral do corpo de igual altura ou ventral pouco mais alta, em relação a um eixo que passa pela fenda bucal e poro da última escama da linha lateral. Nadadeira dorsal situada atrás da metade do comprimento padrão; de borda suavemente convexa; adpressa ao corpo pode atingir da 5ª à 7ª escama anterior à nadadeira adiposa. Origem da nadadeira adiposa pouco à frente dos 2/3 da distância entre a origem da dorsal e a base dos raios caudais medianos. Nadadeira peitoral de borda ligeiramente convexa; curta, adpressa ao corpo geralmente não alcança a nadadeira pélvica. Origem da pélvica bem à frente da origem da nadadeira dorsal; de borda levemente convexa; adpressa ao corpo geralmente não alcança a nadadeira anal. Origem da nadadeira anal atrás da base da dorsal; de borda reta ou suavemente côncava no terço anterior; reta posteriormente. Nadadeiras pélvicas e anal dos machos sexualmente maduros com ganchos; nas primeiras, do 1º ao 6º raio dividido; na segunda, do último raio indiviso até o 11º dividido.

Peitoral i + 11 a 12 raios, pélvica i + 7 a 8, caudal i + 17 + i, dorsal iii + 9 e anal iii a iv + 22 a 28 raios.

Cabeça geralmente mais alta que longa. Focinho pouco afilado. Dentário com 4 dentes grandes, seguidos de 5 a 8 pequenos; os grandes, hexa e heptacuspidados (no mesmo exemplar); cúspide mediana muito mais desenvolvida que as laterais; dentes pequenos tri ou tetracuspidados. Pré-maxilar com duas séries: a interna com 5 dentes, penta e heptacuspidados (no mesmo exemplar); a externa com 4 dentes tricuspidados, às vezes com uma 4ª cúspide pequena lateral; cúspide mediana bem mais desenvolvida. Maxilar com um dente tricuspidado; cúspide mediana mais desenvolvida.

Coloração em álcool (Figura 2) – Coloração geral do corpo prateada; cromatóforos distribuídos uniformemente na escama, em pequeno número. Mancha umeral negra horizontalmente ovalada localizada entre a 2ª ou 3ª e a 5ª ou 7ª escamas. Faixa lateral negra com característica forma de clava, losangular no pedúnculo caudal e afunilada para a frente, estreitando-se em um filamento até a 2ª barra vertical marrom situada atrás da mancha umeral; posteriormente estende-se até a extremidade dos raios medianos da caudal (7º ou 8º ao 11º); sua largura máxima, no pedúnculo caudal, inclui a escama da 1ª série (parcialmente) abaixo da linha lateral, a da linha lateral e a 1ª e a 2ª (esta parcialmente) séries acima da linha lateral. Duas barras verticais marrons, a 1ª passando pela mancha umeral e a 2ª, 2 ou 3 escamas atrás. Duas manchas prateadas, a primeira situada antes da mancha umeral e a segunda imediatamente atrás. Regiões dorsal da cabeça e do corpo acinzentadas; regiões lateral da cabeça e do corpo, ventral do corpo e gular prateadas. Nadadeiras hialinas. Padrão de colorido similar em ambos os sexos.

Distribuição geográfica (Figura 1): Alto rio Branco, afluente do rio Negro, bacia Amazônica.

Etimologia: clavitaeniatus deriva da junção dos vocábulos latinos clava: clava e taenia: faixa, em alusão à característica faixa negra lateral, em forma de clava.

Astyanax siapae sp. n.

Figuras 1 e 3, Tabelas 2 e 3

Holótipo: MBUCV-V-29133, 79,5 mm. CP, Amazonas, Venezuela, rio Siapa (afluente do rio Casiquiare), campamento Siapa II (01°40' a 01°41'N – 64°22' a 64°28'W), 15.iii.1989, col. C. Ferraris & A. Machado-Allison.

Parátipos: 36 ex., 31,5-94,3 mm CP. Venezuela, Amazonas: MBUCV-V-19790, 17 ex., 32,8-50,1 mm CP e MZUSP 55189, 5 ex., 31,5-56,9 mm CP, mesmos dados do holótipo; AMNH 93173, 14 ex., 35,0-94,3 mm CP, rio Siapa (01°40' a 01°41'N – 64°22' a 64°28'W), 15.iii.1989, col. R. Royero Leon.

Material adicional examinado: 55 ex., 19,691,7 mm CP. Venezuela. Amazonas: MBUCV-V-19445, 17 ex., 41,2-91,7 mm CP, rio Siapa (01°40' a 01°41'N – 64°22' a 64°28'W), campamento Siapa II, 13.iii.1989, col. A. Machado-Allison; MBUCV-V-21665, 11 ex., 39,3-53,3 mm CP, rio Cataniapo, aprox. 30 km ao sul de Puerto Ayacucho, 10.xi.1989, col. F. Provenzano et al. Apure: MBUCV-V-11179, 7 ex., 37,7-50,4 mm CP, El Negro, rodovia San Fernando/Caramacate, 3.viii.1979, col. F. Mago-Leccia, L. Aquana, N. Padilla, D. Arana & O.N. Ortíz; MBUCV-V-27799, 20 ex., 19,6-41,4 mm CP, Puente Chuneo Quebrada Chuneo a 12 km de Apartaderos, via San Carlos, 4.viii.1968, col. J. Mosco, A. Machado-Allison & J.A. Luengo.

Diagnose – Astyanax siapae sp. n. (Figura 3) distingue-se de A. rupununi por apresentar altura do corpo igual ou maior que 36,6% do comprimento padrão (vs. < 35,8%), comprimento da cabeça maior: > 26,3% do comprimento padrão (vs. < 25,9%) e maior número de cúspides dos dentes da série interna do pré-maxilar: penta, hexa e heptacuspidados (vs. pentacuspidados). Diferencia-se de A. clavitaeniatus pelo menor número de cúspides dos dentes grandes do dentário: tetra e pentacuspidados (vs. hexa e heptacuspidados). A. siapae sp. n. apresenta maior número de escamas na linha lateral: 38-45 (vs. 38-39 em A. rupununi e 36-41 em A. clavitaeniatus) (Tabela 3). A. siapae sp. n. diferencia-se facilmente de A. bimaculatus pela presença da característica faixa lateral negra em forma de clava (vs. ausente), menor número de cúspides nos dentes grande do dentário: tetra e pentacuspidados (vs. tetra, hexa e heptacuspidados), menor número de raios na nadadeira anal: 27-33 (vs. 31-35) e maior número de escamas na linha lateral: 38-45 (vs. 36-40).

Descrição – Corpo moderadamente alongado, comprimido, com as regiões pré-dorsal quilhada e pré-ventral arredondada; focinho pequeno, menor que o infraorbital 2 e igual ou menor que o diâmetro do olho; nadadeira caudal com lóbulos simétricos. Perfil dorsal do corpo convexo da ponta do focinho à base da nadadeira caudal; perfil ventral convexo da ponta do focinho às nadadeiras pélvicas; reto destas até a nadadeira anal; reto ao longo da nadadeira anal até o pedúnculo caudal. Maior altura do corpo na origem da nadadeira dorsal. Partes dorsal e ventral do corpo geralmente de igual altura, em relação a um eixo que passa pela fenda bucal e poro da última escama da linha lateral. Nadadeira dorsal situada atrás da metade do comprimento padrão; de borda reta; adpressa ao corpo atinge a 4ª ou 5ª escama anterior à nadadeira adiposa. Nadadeira peitoral de borda convexa; adpressa ao corpo alcança a nadadeira pélvica. Origem da nadadeira pélvica à frente da origem da nadadeira dorsal; de borda convexa; adpressa ao corpo não alcança a nadadeira anal em exemplares maiores de 50 mm de comprimento padrão; em exemplares menores, a nadadeira pélvica alcança a nadadeira anal. Origem da nadadeira anal atrás da base da nadadeira dorsal; de borda suavemente côncava no terço anterior e reta nos posteriores.

Peitoral i + 12 a 14 raios, pélvica i + 7 a 8, caudal i + 17 + i, dorsal iii + 9 e anal iv a v + 24 a 29 raios.

Cabeça mais longa que alta em exemplares com até 45-50 mm de CP e mais alta que longa nos maiores de 50 mm. Focinho arredondado. Dentário com 4 dentes grandes, seguidos de 5 a 8 pequenos; os grandes, tetra e pentacuspidados (no mesmo exemplar); cúspide mediana muito mais desenvolvida que as laterais; dentes pequenos tri (maioria) ou tetracuspidados. Pré-maxilar com duas séries: a interna com 5 dentes, penta, hexa e heptacuspidados (no mesmo exemplar); a externa com 4 dentes tricuspidados; a cúspide mediana bem mais desenvolvida. Maxilar com um dente tri ou tetracuspidado; cúspide mediana mais desenvolvida.

Coloração em álcool (Figura 3) – Coloração geral do corpo prateada; cromatóforos distribuídos uniformemente na escama, em pequeno número. Mancha umeral negra horizontalmente ovalada localizada entre a 2ª e a 5ª ou 6ª escamas. Faixa lateral negra com característica forma de clava, losangular no pedúnculo caudal e afunilada para a frente, estreitando-se em um filamento até a 2ª barra vertical marrom, situada atrás da mancha umeral; posteriormente estende-se à extremidade dos raios medianos da caudal (7º ao 10° ou 11º); sua largura máxima, no pedúnculo caudal, inclui a escama da 1ª série (parcialmente) abaixo da linha lateral, a da linha lateral e a 1ª e a 2ª (esta parcialmente) séries acima da linha lateral. Duas barras verticais marrons, a 1ª passando pela mancha umeral e a 2ª, 2 ou 3 escamas atrás. Duas manchas prateadas, a primeira situada antes da mancha umeral e a segunda imediatamente atrás. Regiões dorsal da cabeça e do corpo castanhas, com a primeira mais escura; lateral da cabeça prateada e lateral dorsal do corpo acastanhada. Regiões lateral ventral, gular e ventral do corpo creme-claro. Nadadeiras dorsal, adiposa, anal, peitoral e pélvica hialinas; caudal enegrecida. Padrão de colorido similar em ambos os sexos.

Distribuição geográfica (Figura 1): bacia do Casiquiare-Orinoco, Venezuela.

Etimologia: Em alusão à localidade-tipo, Siapa.

DISCUSSÃO

O gênero Astyanax foi revisto por Eigenmann em 1921 e 1927. Após estas datas, apenas descrições de novas espécies foram publicadas e nenhuma análise mais aprofundada foi elaborada. Assim, na atualidade, a maioria das espécies do gênero é identificada sensu referido autor. É o caso de Astyanax bimaculatus (Linnaeus), que tem como características fundamentais uma mancha umeral negra horizontalmente ovalada, uma mancha negra no pedúnculo caudal estendida à extremidade dos raios caudais medianos, duas barras verticais marrons na região umeral e até 40 escamas na linha lateral. Eigenmann (1921) sinonimizou várias espécies de lambaris com A. bimaculatus (Linnaeus), todas portadoras dos caracteres básicos citados. Ele analisou conjuntamente exemplares procedentes de diversas bacias hidrográficas neotropicais e, como conseqüência, considerou A. bimaculatus amplamente distribuída. Assim, a diagnose proposta por ele revela-se ampla, englobando vários padrões morfológicos (cf. Garutti, 1995). Resultados de estudos recentes revelaram que os diversos padrões morfológicos constituem espécies com distribuição geográfica restrita a uma ou outra bacia (Garutti & Britski, 1997).

A. rupununi Fowler e A. bimaculatus (Linnaeus) compartilham a presença da característica mancha umeral horizontalmente ovalada, a mancha no pedúnculo caudal estendida à extremidade dos raios caudais medianos, duas barras verticais marrons na região umeral e um dente no maxilar. No entanto, A. rupununi tem uma conspícua faixa lateral negra em forma de clava que A. bimaculatus não possui, tem o corpo mais baixo em relação àquela e os dentes são no máximo pentacuspidados, contra hexa e heptacuspidados daquela. Portanto, julgo que as diferenças constatadas sejam suficientes para que ambas possam ser consideradas táxons distintos. Astyanax bimaculatus é aqui considerada como correspondendo ao exemplar maior do lote NRM 7236 (comprimento padrão: 78,0 mm), o provável lectótipo da espécie conforme Fernholm e Wheeler (1983). Segundo Garutti (1995), Garutti & Britski (2000) e dados adicionais, A. bimaculatus é nome que por enquanto deve ser aplicado apenas a exemplares do Suriname com a seguinte combinação de caracteres: regiões pré-dorsal e pré-ventral arredondadas, altura do corpo 41,0 a 47,0% do CP, altura do pedúnculo caudal 9,7 a 12,5% do CP, 36 a 40 escamas na linha lateral, 13 a 16 séries de escamas na linha lateral do corpo, 31 a 35 raios na nadadeira anal, um dente maxilar, 5 a 6 dentes pequenos no dentário, dentes grande do dentário tetra, hexa e heptacuspidados (no mesmo exemplar), dentes da série interna do prémaxilar penta, hexa e heptacuspidados (no mesmo exemplar), padrão reticulado de cromatóforos (determinado pela concentração de pigmentos nas bordas das escamas, formando no conjunto retículos), incluindo a região látero-ventral e ventral do tronco e ausência de faixa lateral negra.

Na determinação do padrão de dispersão das variáveis morfométricas entre os táxons Astyanax rupununi, A. clavitaeniatus sp. n. e A. siapae sp. n., os escores de cada indivíduo foram plotados no espaço dos 2º e 4º componentes principais (Figura 4). A aplicação da análise de componentes principais decorre do enfoque estatístico bivariado revelar-se inadequado, uma vez que os organismos são essencialmente multidimensionais (Bookstein et al., 1985). A PCA revela que a primeira componente (CPI) explica 96,2% da variação total da matriz de correlações das amostras combinadas e está relacionado à grandeza dos caracteres utilizados (comprimento padrão, comprimento da cabeça, altura do corpo, altura do pedúnculo caudal e distância nadadeira dorsal-nadadeira anal) (Tabela 4). O segundo componente (CPII) explica 2,8% da variação, contrapondo o comprimento da cabeça à altura do pedúnculo caudal. O terceiro componente (CPIII) explica 0,6% da variação, contrapondo o conjunto comprimento da cabeça e altura do pedúnculo caudal ao conjunto comprimento padrão e distância nadadeira dorsal-nadadeira anal. Finalmente, o quarto componente (CPIV) explica 0,4% da variação e contrapõe basicamente o comprimento padrão à distância nadadeira dorsal-nadadeira anal. A análise de variância do segundo componente indica diferença significante entre suas médias nos três táxons (valor-p < 0,000); as comparações pareadas de Tuckey indicam média de A. siapae menor do que A. rupununi e A. clavitaeniatus, mas não indica diferença significante entre médias de A. rupununi e A. clavitaeniatus. Com relação ao quarto componente, suas médias devem ser consideradas significantemente diferentes (valor-p < 0,002) e as comparações pareadas de Tuckey indicam A. rupununi com média maior que as outras duas, enquanto que nestas as médias não podem ser consideradas significantemente diferentes.


Com a revalidação de A. rupununi Fowler e a descrição de A. clavitaeniatus sp. n. e A. siapae sp. n., somam 7 as espécies do gênero dotadas de referidos caracteres básicos de coloração e faixa lateral negra. São A. goyacensis Eigenmann, 1908, A. novae Eigenmann, 1911, A. rupununi Fowler, 1914, A. unitaeniatus Garutti, 1998, A. argyrimarginatus Garutti, 1999, A. clavitaeniatus sp. n. e A. siapae sp. n. A faixa lateral em A. novae, A. goyacensis, A. unitaeniatus e A. argyrimarginatus apresenta praticamente igual largura, desde a vertical que passa pela ponta da nadadeira dorsal adpressa até o pedúnculo caudal, diferindo completamente da característica forma de clava. Em A. argyrimarginatus, a faixa lateral ainda está marginada por faixas prateadas paralelas, acima e abaixo da negra. Por outro lado, os caracteres de coloração mancha umeral negra horizontalmente ovalada, mancha negra no pedúnculo caudal estendida à extremidade dos raios caudais medianos, e duas barras verticais marrons (a primeira cruzando a mancha umeral e a segunda situada 2-3 escamas atrás) apresentados por A. rupununi, A. clavitaeniatus sp. n. e A. siapae sp. n., são compartilhados também por A. bimaculatus e por mais uma dezena de espécies (Garutti, 1998). Estas características, portanto, podem distinguir um grupo de espécies de Astyanax, o grupo bimaculatus, e estudos futuros sobre as relações filogenéticas do gênero poderão testar se estas espécies constituem ou não um grupo natural.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Sven O. Kullander, Swedish Museum of Natural History (NRM), pelas fotos e informações sobre A. bimaculatus (L.) (lote NRM 7236); a Scott A. Schaefer, Academy of Natural Sciences of Philadelphia (ANSP), pelo empréstimo de material-tipo e por permitir acesso a material-tipo; a William G. Saul, Academy of Natural Sciences of Philadelphia (ANSP), por conferir a coordenada anotada no ANSP 39329 e facilitar meu trabalho naquele museu; a Melanie N. Feinberg, do American Museum of Natural History (AMNH), pelo empréstimo de material; a Francisco Provenzano e Alberto Marcano, do Museo de Biología da Universidad Central de Venezuela (MBUCV), por permitirem acesso às coleções e facilidades de trabalho naquele museu; a Tyson Roberts, pelas informações adicionais sobre a procedência do material por ele coletado; a José L. Figueiredo, Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP), por permitir acesso às coleções ictiológicas e às críticas e sugestões à versão inicial desse manuscrito; a Osvaldo T. Oyakawa (MZUSP), pelas sugestões; a José A. Cordeiro, da Faculdade Regional de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), pelo auxílio na aplicação da PCA e ANOVA. Finalmente, agradeço aos referees, pelas críticas e sugestões.

Recebido em 23.03.2001

Aceito em 28.10.2001

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  • Garutti, V. & Britski, H.A. 2000. Descrição de uma espécie nova de Astyanax (Teleostei: Characidae) da bacia do alto rio Paraná e considerações sobre as demais espécies do gênero na bacia. Comunicações do Museu de Ciências e Tecnologia, PUCRS, série Zoologia, 13:65-88.
  • Géry, J. 1977. Characoid of the World Neptune City, NJ, T.F.H. Publ. 672p.
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  • *
    Observação: há um equívoco, certamente, na anotação da longitude expressa no rótulo; a coordenada correta deve situar-se em torno dos 60°W, provavelmente 59°20'W.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Out 2003
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Aceito
      28 Out 2001
    • Recebido
      23 Mar 2001
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